
Foto de Arquivo: Hospital Municipal Salgado Filho no Rio de Janeiro
Por Marcelo Procópio
Polícia: A Polícia Civil do Rio de Janeiro investiga um caso estarrecedor de descaso e possíveis irregularidades no Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, Zona Norte. Na manhã desta sexta-feira (3), agentes da 23ª DP encontraram quatro corpos mumificados no necrotério da unidade. A descoberta ocorreu após uma série de denúncias que já vinham sendo apuradas há meses — dez queixas foram registradas relatando o envio de corpos em avançado estado de decomposição ao Instituto Médico Legal (IML) sem a devida comunicação às autoridades.
Durante a inspeção, os investigadores constataram que 14 corpos estão sob análise, com indícios de falhas na conservação e violação de protocolos de manuseio e encaminhamento de cadáveres. Um dos corpos, segundo as autoridades, estaria no hospital desde dezembro de 2024, sem identificação e em condições que impossibilitam determinar até o sexo da vítima.
Diante da gravidade dos fatos, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) afastou a chefe do setor responsável pela liberação dos corpos e instaurou uma sindicância interna para apurar responsabilidades. Em nota, a pasta negou que houvesse dez corpos em decomposição no local, afirmando que “trata-se de um hospital com alto número de óbitos diários” e que “quatro corpos sem identificação aguardam autorização judicial para sepultamento tardio”.
No entanto, fontes internas relatam que a câmara fria do necrotério estava sobrecarregada, com equipamentos de refrigeração parcialmente inoperantes. Técnicos afirmam que o sistema de controle de temperatura não recebe manutenção adequada há meses, o que pode ter contribuído para a mumificação dos corpos.
O caso agora é investigado por fraude processual, vilipêndio de cadáver e possíveis crimes de responsabilidade administrativa.
Opinião do especialista:
O professor Evandro Brasil, especialista em Tanatologia Forense, classificou o episódio como “um grave colapso ético e técnico na gestão da morte dentro do sistema público de saúde”. Segundo ele, a mumificação natural dos corpos — sem qualquer processo de conservação — indica exposição prolongada ao ar seco, alta temperatura e ausência total de refrigeração adequada.
“Um corpo não se mumifica em poucos dias. Esse estado reflete semanas, ou até meses, de negligência. Além de ferir a dignidade humana, compromete as análises periciais e a identificação das vítimas. Isso é uma violação do dever institucional de respeito ao morto e à família”, explica o professor Evandro Brasil.
Para o especialista, é fundamental que hospitais municipais sigam os protocolos de Tanatopraxia e conservação temporária estabelecidos pelas normas da vigilância sanitária e do Ministério da Saúde:
“A morte também precisa ser tratada com técnica e humanidade. Falhas como essas mancham a credibilidade das instituições e causam dor adicional às famílias que aguardam respostas.”
Enquanto a sindicância interna tenta identificar os responsáveis, a Polícia Civil segue investigando as condições estruturais do necrotério e possíveis omissões administrativas. O caso reacende o debate sobre a precarização dos serviços mortuários públicos e o respeito à dignidade humana — mesmo depois da morte.
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