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Rodrigo Bacelar, presidente da Alerj, foi preso ontem (03/12/2025), em operação da Polícia Federal
Por Cleide Gama
Como milícias, facções e operadores do submundo se enredaram em cadeiras públicas — e por que o Estado precisa responder.
Polícia: Nos últimos anos, investigações da polícia e do Ministério Público têm mostrado com clareza um fenômeno que parecia impossível de ligar: redes criminosas — milícias e facções — atuando não só nas ruas e favelas, mas penetrando estruturas formais do poder político e da economia. A convergência entre crime organizado, gabinetes e empresários cria um círculo vicioso de proteção mútua, clientelismo e corrupção que corrói a democracia.
Adriano da Nóbrega e o “Escritório do Crime”
Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do BOPE, tornou-se símbolo dessa infiltração. Apontado pelo Ministério Público como líder de uma milícia que explorava serviços, extorsão, grilagem e até encomendas de homicídios — o chamado “Escritório do Crime” — Adriano teve seu nome relacionado a esquemas que iam desde cobrança de taxas em comunidades até supostas ligações com políticos por meio de ligações de parentes na administração pública. Investigações e reportagens documentaram processos, prisões e a atuação do grupo em Rio das Pedras (zona oeste do Rio).
TH Jóias: do gabinete ao grupo criminoso
O caso do chamado “TH Jóias” (Thiego Raimundo dos Santos Silva) é um exemplo recente e sintomático. Preso em setembro durante a Operação Zargun, o ex-deputado estadual foi indiciado pela Polícia Federal por atuação vinculada a uma organização que negociava tráfico internacional de armas, drogas, lavagem de dinheiro e por proximidade com lideranças do Comando Vermelho. A investigação apontou trocas de mensagens e evidências de relacionamento com integrantes da facção, além de indícios de recursos milionários em espécie. A PF indiciou TH e outros investigados em novembro.
Ronnie (Ronie) Lessa: armas, contrabando e a execução de Marielle
Ronie (ou Ronnie) Lessa, ex-PM condenado por outros crimes e apontado como autor material do assassinato da vereadora Marielle Franco, também foi condenado em processos que demonstraram importações ilícitas de peças e acessórios bélicos — um elo claro entre sua atuação e o comércio ilegal de armamento. Documentos judiciais e decisões federais o responsabilizaram por contrabando de produtos controlados, reforçando o mapa de como armas e peças chegam ao circuito criminoso no país.
Rodrigo Bacellar e o vazamento que protegeu interesses
Mais recentemente, a Operação Unha e Carne prendeu Rodrigo Bacellar, presidente da Alerj, sob suspeita de vazar informações sigilosas que teriam antecipado detalhes de operações policiais — em especial operações que miravam figuras como TH Jóias. Segundo a PF, o parlamentar é suspeito de repassar informações que comprometeram investigações e de orientar ações para apagar provas. A prisão de um presidente da assembleia estadual acende um alerta sobre a profundidade das ligações entre o poder político e estruturas criminosas que tentam se blindar.
Como empresários e operadores econômicos entram nessa teia
Investigações sobre milícias e grupos como o “Escritório do Crime” mostram que a dinâmica econômica (grilagem de terras, cobrança por serviços, construção irregular) oferece entradas naturais para empresários — formais ou informais — que, direta ou indiretamente, negociam com grupos criminosos. Reportagens e processos apontam que milicianos transformaram controle territorial em negócios imobiliários e prestação de serviços, muitas vezes com omissão ou cumplicidade administrativa. Há ainda relatos de empresários que teriam dívidas com milicianos, pagamentos de “proteção” ou contratos irregulares que garantem negócios em áreas sob controle dessas organizações.
O padrão: proteção, clientelismo e impunidade
Três dinâmicas se repetem nas apurações: 1) proteção — políticos ou agentes públicos que vazam informação ou que praticam favores em troca de apoio; 2) clientelismo econômico — legalização, contratos e obras que legitimam ganancias; 3) impunidade — ações morosas, vazamento de investigações ou pressões que atrapalham a responsabilização. Quando milícias e facções conseguem contatos em gabinetes, secretarias e delegacias, elas reduzem o risco operacional e ampliam suas receitas.
O que as autoridades têm feito — e o que falta
Nos últimos anos houve operações de grande repercussão (por exemplo, Zargun, Unha e Carne e outras) que levaram à prisão, indiciamentos e ao afastamento de agentes públicos. Ainda assim, especialistas e promotores apontam a necessidade de continuidade investigativa, proteção de testemunhas, reformulação de vínculos de transparência na administração pública e medidas estruturais para cortar o financiamento e a permeabilidade entre negócio legal e ilegal. A alternância de detenções isoladas não resolve a raiz: enquanto houver mercado (armas, drogas, bens e serviços), haverá interesse em infiltrar o Estado.
Os casos de Adriano da Nóbrega, TH Jóias, Ronnie Lessa e a prisão de Rodrigo Bacellar compõem um diagnóstico preocupante: não se trata apenas de criminosos fora da lei, mas de redes que se valem de vínculos políticos, econômicos e institucionais. O combate efetivo exige investigação contínua, transparência institucional e vontade política real para cortar o nó gordiano entre crime organizado, gabinetes e empresários. Enquanto isso não ocorrer, o risco é que o aparelho do Estado funcione como anteparo das organizações criminosas — com prejuízo direto à segurança, à justiça e à sociedade.
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