Foto de Arquivo: Jair Messias Bolsonaro no banco dos réus |
por Marcos Vinícius
Julgamento: Durante interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF), realizado na terça-feira (10), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reconheceu que participou de discussões sobre possíveis medidas para contestar o resultado das eleições de 2022. Segundo ele, tudo foi debatido "dentro dos limites da Constituição", e por isso não haveria configuração de um plano de golpe de Estado.
Bolsonaro confirmou que ocorreram reuniões com integrantes das Forças Armadas e aliados políticos para discutir a decretação de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), diante do avanço de protestos de caminhoneiros e da mobilização em frente a quartéis militares. “Tratamos de GLO porque os caminhoneiros estavam na iminência de parar, sobre o que poderia acontecer com aquela multidão em frente aos quartéis”, declarou. Contudo, o ex-presidente afirmou que, ao constatar que não havia respaldo legal, a proposta foi abandonada.
Em uma fala que chamou atenção, Bolsonaro afirmou que alguns aliados chegaram a sugerir a decretação de estado de sítio, mas que essa hipótese “nasceu morta”. Ele não mencionou quem levantou a proposta, mas garantiu que nenhuma providência foi tomada nesse sentido. Em outra revelação, confirmou a existência de uma minuta de decreto discutida com militares no Palácio da Alvorada, no dia 7 de dezembro de 2022. Disse, no entanto, que se tratava de um rascunho feito “de forma rápida”, e que a ideia “não prosperou”.
Para o jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, o relato de Bolsonaro "é típico de quem busca dar um verniz legal a uma tentativa de ruptura institucional". Já a cientista política Camila Rocha pondera: "Bolsonaro tenta dissociar suas ações do núcleo mais radical, mas ao admitir que discutiu GLO e estado de sítio, revela que flertou sim com medidas autoritárias."
Nas redes sociais, a reação popular foi variada. "Discutir GLO com generais no Alvorada não parece algo muito democrático", escreveu um internauta. Outro comentou: "Ele diz que era tudo dentro da lei, mas planejar o quê, exatamente, se Lula já estava eleito?". Já apoiadores argumentam que “questionar eleições é legítimo” e veem o depoimento como prova de que não houve golpe, mas apenas "preocupações legítimas".
Questionado sobre suas declarações a respeito das urnas eletrônicas, Bolsonaro reafirmou sua defesa do voto impresso. Recusou-se a admitir que tenha feito “ataques” ao sistema eleitoral, dizendo preferir o termo “críticas”. Ele apresentou trechos de falas de ministros do STF e parlamentares de esquerda que também já questionaram as urnas, para tentar relativizar sua própria postura.
No início do depoimento, Bolsonaro pediu desculpas ao ministro Alexandre de Moraes por tê-lo acusado — sem provas — de envolvimento em fraudes eleitorais. “Era um desabafo, uma reunião que não deveria ser gravada. Me desculpe, não tinha essa intenção”, disse, ao ser confrontado por Moraes. Ainda em tom informal, chegou a convidar o ministro para ser seu vice em uma eventual chapa nas próximas eleições, arrancando sorrisos contidos dos presentes.
Bolsonaro também negou ter conhecimento ou envolvimento com o chamado “Plano Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de figuras como Lula, Geraldo Alckmin e o próprio Moraes. “Se eu soubesse disso, teria tomado providências imediatas”, assegurou. Rejeitou ainda qualquer participação na edição da minuta de golpe que circulou entre seus aliados.
O ex-presidente foi o sexto réu a depor na ação penal que apura tentativa de golpe de Estado. O interrogatório durou cerca de duas horas e meia e, apesar da gravidade dos temas, manteve um tom respeitoso. Moraes fez questão de lembrar que Bolsonaro tinha o direito de não responder, mas o ex-presidente preferiu se manifestar sobre todos os pontos, inclusive respondendo a perguntas do ministro Luiz Fux, do procurador-geral Paulo Gonet e de advogados dos demais réus.
Em meio a justificativas e recuos, o interrogatório serviu como palco para Bolsonaro reafirmar sua narrativa de que sempre agiu dentro da legalidade — embora tenha flertado, por diversas vezes, com os limites do Estado Democrático de Direito. Para a opinião pública e especialistas, no entanto, a fronteira entre planejamento e tentativa concreta de ruptura segue no centro do debate.
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